A misoginia e a lesbofobia na Política e em seus ambientes.

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Afinal, quantas vezes você já ouviu pessoas chamando a Dilma de “vadia” ou usando o termo “sapatão” para tentar ofendê-la, simplesmente por ela ser uma mulher que não se encaixa nos estereótipos atribuídos à mulheres e à “feminilidade”?

Esse texto é algo que eu sinto vontade de escrever faz um tempo e que, com a eleição se aproximando, vem se tornando mais e mais emergencial. Vou ser direta e deixar bem claro a necessidade que este pretende trazer à tona: precisamos urgentemente problematizar e lutar contra as críticas às mulheres na política que são essencialmente baseadas na misoginia e na lesbofobia.

Primeiramente, sinto a necessidade de dizer que todo governante é passível de erros. Isso inclui, sem dúvida, mulheres governantes. Independentemente da esfera na qual governam (federal, estadual ou municipal), essas mulheres, bem como qualquer governante, precisam ser cobradas pela população que representam. Elas também devem ser criticadas se cometerem erros durante seus mandatos, e tais erros devem ser lembrados durante as eleições. São os eleitores que devem decidir que erros são toleráveis e que erros não são; que pessoas eles acham que são competentes para os cargos políticos que estão concorrendo, e quais não. Não há nada de errado em não concordar com uma política só porque ela é mulher; o Governo Dilma, por exemplo, teve, SIM, várias falhas e não há nada de errado se você não conseguir simpatizar com a Presidenta ou não acreditar que ela seja a melhor opção para o nosso país. Eu não quero, com esse texto, isentar ela, ou qualquer outra mulher no meio político nacional ou mundial, de críticas.

Meu objetivo com esse texto é simplesmente apontar como, em uma sociedade patriarcal onde o poder está majoritariamente nas mãos dos homens e onde a classe masculina não se esforça em mostrar seu desgosto por mulheres poderosas , muitas das “críticas” direcionadas às mulheres governantes estão embasadas na misoginia e na lesbofobia, e em como isso é problemático e precisa urgentemente mudar.

Que o meio da política nunca foi muito receptivo às mulheres, todas nós com o mínimo de conhecimento histórico e social do patriarcado e do funcionamento deste já sabemos. Por séculos o poder mundial sempre esteve nas mãos da classe masculina, e somente depois de vários séculos desta hegemonia masculina que nós conseguimos, depois de muita luta, muito desgaste e muito sangue derramado, a chance de poder ter, também, voz sobre a política mundial.

Mas não é só porque mulheres conquistaram o direito ao voto (no Brasil, a nível de curiosidade, a conquista veio na década de 30) que elas automaticamente conseguiram espaço na política. Pelo contrário, a política continuou, por muito tempo, sendo uma “panelinha masculina”, onde mulheres raramente tinham qualquer espaço. E mesmo que eu esteja usando os verbos no passado, a situação hoje em dia ainda não é TÃO diferente de 82 anos atrás. Na verdade, o espaço das mulheres na política mundial, embora seja crescente, ainda é muito pequeno. Isto também ocorre nas esferas municipais e estaduais, e é fácil de notar quando, em um país onde 51% do eleitorado é feminino, menos da metade dos candidatos à Presidência da República são mulheres (temos 2 candidatas esse ano, o que corresponde a aproximadamente 18%). Há estados, como o Pará, onde não há sequer uma mulher candidata ao governo estadual. E, embora o número de candidatas ainda seja consideravelmente inferior ao número de candidatos, a situação poderia ser pior se não tivesse sido implantada uma lei que obriga todo partido e coligação a ter no minimo 30% e no máximo 70% de candidatos de cada gênero. A lei é importantíssima para estimular mulheres a fazerem cada vez mais parte da política, mas é preocupante saber como vários partidos colocaram mulheres como candidatas simplesmente para encher a “cota”.

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Embora sejamos mais da metade da população, a classe feminina ainda não têm o espaço que merece na política brasileira, e isso se deve a muitos fatores. Primeiro: desde cedo, mulheres não recebem incentivos para falar ou participar da política, seja como eleitoras compromissadas ou como candidatas. Socializadas para serem dóceis e amorosas, mulheres que são incisivas e que exigem seu espaço, seja este espaço político, econômico ou social, assustam o patriarcado e a classe masculina acostumada a ser “dona” de tudo, inclusive de tudo que tem a ver com força ou “pulso firme”. O quadro torna-se ainda mais assustador quando essas mulheres têm pulso firme e exigem espaço em um meio como a política, que pode lhes dar poder.

Mulheres poderosas e desteminas, não existe nada que assuste mais o patriarcado; e é justamente por isso, nosso acesso ao meio político sempre esteve limitado, independentemente do sistema político ou da época. Mas também há algo mais que afasta mulheres atualmente da política, e isto é o backlash, a reação exagerada e violenta da classe masculina a essa ascensão ao poder. A Presidenta Dilma Rousseff, por exemplo, sofre atualmente um violento backlash, carregado de misoginia e lesbofobia, como mostram os exemplos abaixo:


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(quando homens sugerem queimar mulheres simplesmente porque as consideram “vadias”, “sapatões”, porque elas não existem para satisfazê-los ou simplesmente porque elas existem, você começa a entender cada vez mais o significado da frase “somos as netas de todas as bruxas que nunca puderam queimar“)

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(nada mais misógino e patriarcal do que fazer piada com violência

doméstica, não acham?)

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(mais um pouco de ódio, misoginia e lesbofobia vinda dos “opositores” de Dilma)

 

Uma vez eu postei em meu perfil do facebook a seguinte frase, pensando em justamente incentivar a discussão acerca dos discursos misóginos usados para criticar mulheres que fazem parte da política:

“Fico me perguntando até que ponto essa raiva da Dilma é divergência política e a partir de que ponto já começa a ser influenciada pela misoginia latente presente na sociedade brasileira.”

O que eu não esperava (mas deveria ter esperado) é o gigantesco backlash que eu mesma sofri por isto, por ousar lembrar as pessoas, em especial a classe masculina, de que muitas das “críticas” que eles fazem são baseadas no ódio à classe feminina e às mulheres lésbicas. E, se eu, acostumada com debates políticos no meio virtual e com a forma agressiva que ele costuma tomar, me senti desprotegida a ponto de ter de fechar o post por semanas para esperar a “poeira baixar”… Não é difícil de imaginar que muitas mulheres desde cedo assimilem a ideia de que o meio político não é receptivo para mulheres, logo, elas não vão ter espaço ou respeito se decidirem fazer parte dele, seja como políticas ou como eleitoras informadas e questionadoras. Elas não estariam erradas: o meio político não é nada receptivo para com a classe feminina; ele tenta as silenciar e, quando não consegue, parte para a agressão clara, como nos prints que postei anteriormente. 

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“Estranho o quão limitado se torna o vocabulário masculino quando são confrontados por mulheres que são melhores que eles.”

Essas agressões pouco ou nada têm a ver com divergências políticas, embora possam, sim, ter a ver com estas. Essas agressões existem porque, como foi dito anteriormente, o patriarcado teme as mulheres poderosas e, especialmente, a forma como essas mulheres poderosas inspiram outras mulheres a também se levantarem por seus direitos, a lutarem pelo que acreditam… E, por que não, essas mulheres  também inspiram outras mulheres a também quererem tentar uma carreira na política. A classe masculina não tem interesse algum em dividir o poder, seja ele social, econômico, ideológico ou político. A classe masculina se sente afrontada quando mulheres avançam, os forçando a recuar. Não é surpresa, então, que a classe masculina seja quem normalmente lidere o backlash contra qualquer mulher que ouse adentrar esse espaço majoritariamente masculino, e esse backlash tem em tudo a ver com duas palavrinhas: vadia sapatão.

Costumo dizer que não existe mulher que nunca tenha sido alguma vez agredida com a palavra vadia ou semelhantes (como “puta”, “vagabunda”, entre outros), seja direta ou indiretamente. Vadia é um xingamento que visa justamente ofender uma mulher com base em sua vida sexual mas, além do que isso, o termo “vadia” é, também, usado frequentemente para ofender qualquer mulher que, em seus comportamentos ou em sua forma de agir, tente se assemelhar ou se assemelhe aos comportamentos esperados da classe masculina. O termo vadia tem um masculino, “vadio”, mas o sentido deste se limita a “um homem desocupado”, logo, o peso desta palavra jamais poderia ser comparado ao peso de sua “versão feminina”. 

Uma sociedade patriarcal é essencialmente falocêntrica, ou seja, é baseada na ideia da superioridade masculina, esta sendo simbolizada pelo falo. O patriarcado é adepto da ideia de que mulheres, seus corpos e mentes são moldados por falos ou homens, moldados por sua vida sexual. Mulheres então são julgadas, independentemente de terem muitas relações sexuais com machos ou não se relacionarem com eles. A mulher que, na política, ousa ser incisiva ou ter pulso forte; a mulher que faz questão de exigir seu espaço num meio como a política, então, sofre tentativas de silenciamento parecidas com as que seus companheiros de luta do sexo masculino sofreriam, mas também sofrem o backlash intimamente ligado com a misoginia, com o ódio e o silenciamento feminino, que tais companheiros parte da classe masculina jamais passariam. Um exemplo disso é como várias pessoas que são contra o PT chamam tanto o Lula quanto a Dilma de “ladrões”, mas incrivelmente, somente Dilma tem sua sexualidade questionada (talvez por não se encaixar totalmente na feminilidade, por ser divorciada ou por ser, novamente, uma liderança com poucos traços do que se espera de uma mulher patriarcal em qualquer espaço; a docilidade, a gentileza e a necessidade de agradar a todos que é esperada das mulheres) ou é duramente chamada de “mulher macho” ou de “masculina”, não por se assemelhar com indivíduos da classe masculina e da forma como eles pensam e agem social e politicamente, mas sim por ousar não se enquadrar no que a feminilidade exige de indivíduos da classe feminina. 

Simone de Beauvoir certa vez disse, “O homem é definido como ser humano e a mulher é definida como fêmea. Quando ela comporta-se como um ser humano ela é acusada de imitar o macho“. Acredito que tal frase resuma muito bem o que falei antes, sobre como toda vez que mulheres, estejam elas dentro ou fora da política, ousam desafiar os papéis que lhe foram impostos… Toda vez que mulheres ousam não se encaixar no que a feminilidade nos impõe, toda vez que elas ousam serem humanas, elas são chamadas de “mulheres macho” e são acusadas de quererem ser como os homens. Você já viu Dilma ser acusada de tal forma, e eu também já vi. É simplesmente comum, e isso ocorre porque ao macho não é somente reservada a masculinidade; a ele também pertence a neutralidade; e, ao dominá-la, a classe masculina também domina o direito de definir quem tem direito à humanidade e quem não têm, e acredite em mim, esse direito nunca nos será concedido sem dor e sem luta, simplesmente porque a classe masculina não está interessada em dividir os privilégios (afinal, se todos puderem acessar tais privilégios, eles privilégios não serão mais e sim direitos, e para a classe dominante, isso jamais é interessante). 

E é lógico que, em uma sociedade onde a mulher é marginalizada e agredida de todas as formas possíveis, bem como silenciadas e impedidas de acessarem as condições necessárias para que tivessem uma real melhora de vida, tanto de forma individual como de forma coletiva, a situação de mulheres que ousam amar outras mulheres e, acima de tudo, que se recusam a servir emocional e sexualmente à classe masculina, é ainda mais delicada e precária. Toda mulher que ousa fugir da lógica da heterossexualidade compulsiva, toda mulher que não existe em função do prazer masculino (e que não faz parte dele voluntariamente também) é marginalizada. Para piorar, existe algo ainda mais cruel que essas mulheres sofrem, e isto é o isolamento, tanto social, quanto emocional e político. Mulheres não-lésbicas são ensinadas a se distanciarem de mulheres lésbicas a todo custo, bem como são ensinadas a se distanciar dos estereótipos atribuídos à lesbianidade (e o fazem, logicamente, jogando para debaixo do ônibus mulheres lésbicas e suas existências). Quando um homem usa o termo sapatão (bem como outros termos que façam referência à lesbianidade de forma ofensiva) para se referir à uma mulher que faz parte da política, independentemente da sexualidade da mesma, ele faz isso com um único objetivo: fazer com que mulheres sintam-se impulsionadas a se distanciar desta mulher ao invés de apoiá-la e de lutar com e por ela.

É uma tática que parece seguir a ideia de “dividir para conquistar”, na verdade. Eles tocam numa ferida que nos foi aberta durante nossa socialização: essa necessidade de nos distanciarmos de toda a ideia da lesbianidade. Aliás, grande parte das mulheres lésbicas por muito tempo tiveram dificuldades de se identificarem em público como lésbicas; muitas delas ainda o tem. Se identificar abertamente como lésbica é dar a cara a tapa para uma sociedade que, além de homofóbica, é misógina. A lesbofobia é violenta, e ela não só promove violência direta como promove esse isolamento; não se pode julgar as mulheres lésbicas que ainda não se sentem prontas para lidar com tudo isso (e nem as que nunca estarão de fato prontas para lidar com tudo isso). E essa necessidade de se afastar de tudo que envolva lesbianidade e das próprias lésbicas, por ser algo que somos socializadas para sentir, exige uma mudança mais profunda na forma em que mulheres são criadas; exige a abolição dos gêneros.

A única chance de mudança real existente para nós, mulheres, e para a conquista do espaço político (e social, econômico e todos os outros espaços que historicamente nos foram negados) para a classe feminina, também se mostra a mais dolorida: para que possamos abrir caminhos para chances reais de mudança (para melhor) das condições da classe feminina, bem como a conquista de nossos merecidos espaços e da articulação da luta que precisa ser travada, da revolução que é necessária para a libertação real e completa da classe feminina como um todo, é necessário que cada vez mais mulheres abram espaço por entre o glass ceiling e tantas outras dificuldades que o Patriarcado nos coloca e que façam suas vozes serem ouvidas; precisamos, urgentemente, de mulheres corajosas para pressionar e se fazerem presentes em meios essencialmente masculinos, a política sendo o espaço mais emergência. Precisamos de mulheres marcando presença em todas as esferas de poder em nosso país; mulheres governando e desafiando a lógica patriarcal da concentração de poder na mão da classe masculina, mulheres que se comprometam em governar por e para a classe feminina e sua libertação. 

Mas, mais do que isso, a necessidade mais urgente é também a que o patriarcado mais teme que coloquemos em primeiro lugar: a união entre mulheres, a ideia de “mulheres ajudando mulheres”, a sororidade. O patriarcado é forte; somente uma grande união entre a classe feminina será forte o suficiente para embater com ele e lutar pela libertação de todas as mulheres. Precisamos nos juntas, articular nossas lutas, deixar as disputas de ego de lado e nos focar em estudar e debater como trazer nossa luta cada vez mais para o plano presencial, como usá-la para ajudar outras mulheres a terem contato com o movimento que quer lutar por e com elas, e assim criar uma unidade forte e determinada a realmente se ajudar para a conquista maior; para o fim do patriarcado e de todos os demais sistemas que oprimem e limitam, direta ou indiretamente, a classe feminina. 

“As mulheres são como águas, crescem quando se encontram.”

Se a existência de uma ou de algumas mulheres no poder já incomoda tanto o patriarcado e a classe privilegiada masculina, vocês conseguem imaginar o quão poderosa seria a existência de várias mulheres fortes e poderosas, governando em conjunto e lutando pela e com a classe feminina? Mulheres, juntas, lutando em conjunto para o bem da classe feminina? Uma visão poderosa, sem dúvida. Poderosa e revolucionária.

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